
Em meio às colinas do norte de Israel, uma descoberta feita em 1993 lançou nova luz sobre um dos nomes mais célebres da história antiga do Oriente Próximo: o rei Davi. Trata-se da Estela de Tel Dan, um monumento em basalto negro que, por meio de uma inscrição milenar, tornou-se a mais antiga evidência arqueológica conhecida da existência histórica da Casa de Davi, a dinastia real que teria governado o antigo reino de Judá durante a Idade do Ferro.
A estela foi encontrada em fragmentos no sítio arqueológico de Tel Dan, uma colina artificial (tell) localizada na porção setentrional do moderno Estado de Israel. Escavações conduzidas entre 1966 e 1994 pelo renomado arqueólogo Avraham Biran culminaram na descoberta, em 1993, do primeiro fragmento — denominado “Fragmento A”. No ano seguinte, outros dois fragmentos, “B1” e “B2”, foram identificados. Estes, embora alvo de debates quanto ao encaixe, parecem formar parte de um mesmo monumento celebrativo.
A inscrição da estela está redigida em aramaico antigo, utilizando o alfabeto fenício, característico do século IX a.C. A autoria do texto não está explicitada, mas há amplo consenso entre os especialistas de que foi encomendada por Hazael, rei arameu de Damasco, ou por um de seus sucessores — Bar Hadade II ou Bar Hadade III. O texto celebra vitórias militares sobre reinos vizinhos, incluindo Israel e Judá. Um trecho crucial menciona diretamente o termo “Casa de Davi” — e também o título “Rei de Israel”.
“[Eu matei Jeorão, filho de Acabe, rei de Israel, e eu matei Acazias, filho de Jeorão, rei da Casa de Davi.]”
A importância desta inscrição é monumental. Até sua descoberta, nenhuma fonte extrabíblica mencionava de forma inequívoca o nome Davi em um contexto político e dinástico. A estela, portanto, fornece uma referência independente — de origem inimiga — à existência de uma linhagem real associada a Davi, sucessor de Saul e pai de Salomão, conforme os registros históricos preservados no Tanakh judaico e na Bíblia cristã.
A estela foi datada por arqueólogos entre os séculos IX e VIII a.C., com base nas camadas estratigráficas em que os fragmentos foram encontrados. Acima da camada onde se encontrava a estela, os pesquisadores identificaram evidências de uma destruição associada à campanha assíria de 733–732 a.C., o que delimita um horizonte superior claro para sua datação. A estela teria sido quebrada — provavelmente por forças assírias ou pelos próprios habitantes locais — e reutilizada em construções posteriores.
Atualmente, a Estela de Tel Dan integra a coleção do Museu de Israel, em Jerusalém, e ficou por uma temporada em 2024 em exibição no Museu Judaico de Nova York, onde permaneceu de disponível ao público até 5 de janeiro de 2025.
Além de seu valor documental, a estela possui importância semiótica e cultural. Ela ilustra o vigor das disputas políticas na região do Levante durante o primeiro milênio a.C., ao mesmo tempo em que insere a figura de Davi no contexto da história concreta, reconhecida por seus contemporâneos — inclusive por seus adversários. A inscrição não apenas valida a existência de uma dinastia associada ao nome de Davi, como também demonstra o prestígio duradouro de sua linhagem.
Hoje, a Estela de Tel Dan é estudada como peça central da arqueologia bíblica, uma disciplina que une métodos arqueológicos modernos à investigação histórica de textos antigos. Seu conteúdo representa uma convergência rara entre tradição literária e evidência material, proporcionando aos estudiosos um ponto de apoio sólido para reconstruir os primórdios da monarquia israelita.
Muito além de um simples artefato de pedra, a Estela de Tel Dan representa um marco concreto na historiografia do Oriente Próximo. Por décadas, estudiosos céticos consideraram a figura do rei Davi como possivelmente mítica ou exagerada, devido à ausência de evidências arqueológicas diretas fora dos textos antigos. A inscrição nesta estela, no entanto, contendo a expressão “Casa de Davi”, forneceu a primeira referência extrabíblica à sua existência e à sua dinastia. Trata-se de uma prova material, produzida por um reino inimigo, que reconhece a importância histórica de Davi no cenário político do século IX a.C., colocando-o definitivamente no campo da história documentada.
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